SÓ PARA VERSOS QUE LI...

sábado, 5 de outubro de 2013

fragmentos de um discurso amoroso

 "ADORÁVEL: Não conseguindo nomear a especialidade de seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado chega a essa palavra um pouco tola: adorável!"

[p.13]

 AFIRMAÇÃO

"...o que me anima surda e obstinadamente não é tático: aceito e afirmo fora do verdadeiro e do falso, fora do êxito e do malogro; estou destituído de toda finalidade, vivo conforme o acaso (a prova é que as figuras do meu discurso me vêm como lances de dados). Confrontado com a aventura (aquilo que me ocorre), não saio nem vencedor, nem vencido: sou trágico.
(Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é viável é um Bem? Por que durar é melhor que inflamar?)"

  [p.16-17]


Um pontinho no nariz
ALTERAÇÃO 

"(O horror de estragar é ainda mais forte que a angústia de perder,.)
[p. 21]

AUSÊNCIA
"Essa ausência bem suportada, não é outra coisa senão o esquecimento.  Sou momentaneamente infiel. É a condição da minha sobrevivência, se não esquecesse, morreria. O enamorado que não esquece de vez em quando, morre por excesso, cansaço e tensão de memória (como Werther)."

[p. 28]

 A carta de amor
"Quando Werther (em missão junto ao Embaixador) escreve à Charlotte, sua carta segue o seguinte plano: 1. Que bom pensar em você! 2. Aqui estou eu num meio mundano e, sem você, eu me sinto muito sozinho; 3. Encontrei alguém (a senhorita de B...) que parece com você, e com quem posso falar de você; 4. Faço votos que possamos estar juntos.- Variações de uma mesma informação, como um tema musical: penso em você.
O que quer dizer ‘pensar em alguém?’ Quer dizer: esquecê-lo (sem esquecimento a vida é impossível) e despertar frequentemente desse esquecimento. Por associação, muitas coisas te trazem para meu discurso. ‘Pensar em você’ não quer dizer nada mais que essa metonímia. Por que, em si, esse pensamento é vazio: eu não te penso, simplesmente te faço voltar (na mesma proporção que te esqueço). É essa forma (esse ritmo) que chamo de ‘pensamento’: nada tenho para te dizer..."


[p.32] 

Elogio das lagrimas
"me faço chorar para provar que minha dor não é uma ilusão: as lágrimas são signos e não expressões."

[p.42] 


Eu te amo 

passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada; apenas retoma de um modo enigmático, de tanto que ela parece vazia, a antiga mensagem (que talvez não tenha passado por essas palavras). Eu o repito fora de toda pertinência; ele sai da linguagem, divaga, onde?"

[p.97] 

Ternura
O gesto terno diz: me pede qualquer coisa que possa adormecer teu corpo, mas não esquece que te desejo um pouco, ligeiramente, sem querer possuir nada imediatamente 

[p.190]

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Hortência dos Santos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981 

 

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