Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e
depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus
me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou
precisando de minha própria força. Sou forte mas também destrutiva.
Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo
muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha,
Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem
precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de
propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho.
Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu
tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro
de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha.
Venha antes que seja tarde demais.
Clarice Lispector, Aprendendo a Viver, p.205-206.
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